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Quercus exige mais ambição aos decisores políticos na 22ª Conferência do Clima da ONU, que irá acompanhar desde Marraquexe

Quarta-feira, 02.11.16

Pontos chave

  • Urgente ratificação do Acordo de Paris pelas 197 partes signatárias
  • Contribuições nacionais de redução de GEE têm de ser mais ambiciosas
  • Redução de emissões insuficiente para limitar aquecimento global abaixo dos 1,5 - 2ºC
  • Roteiro para financiamento climático é peça chave para sucesso da COP22
  • Metas energéticas e climáticas da UE e de Portugal para 2020 e 2030 têm de ser revistas
  • Política energética portuguesa tem de ser coerente: eficiência energética e renováveis são incompatíveis com aposta nos combustíveis fósseis

 

Lisboa, 2 novembro 2016 - Começa na próxima segunda-feira, 7 de novembro, a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (COP22), que decorrerá na cidade de Marraquexe, em Marrocos, até ao dia 18 de novembro. Em contagem decrescente para o arranque da Conferência, a Quercus, que acompanhará os trabalhos a partir de Marraquexe, deixa as suas expectativas e recomendações para os decisores políticos.

As expectativas são elevadas, particularmente para perceber de que forma a comunidade internacional irá cumprir os seus compromissos climáticos e limitar o aquecimento global do planeta abaixo dos 2ºC, e desenvolver esforços para ir mais além, abaixo dos 1,5ºC.

 

De Paris a Marraquexe

O Acordo de Paris, alcançado na COP21, em dezembro de 2015, foi sem dúvida um marco histórico, bem como o fato de entrar em vigor já esta semana, a 4 de novembro, menos de um ano depois de ter sido aprovado e quatro anos antes do prazo oficial (2020). No entanto, um acordo climático histórico não é suficiente por si só. Há que aumentar o nível de ambição em termos de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e, nesse sentido, a COP22 terá de conseguir manter o fulgor trazido da COP21.

Se a ratificação e entrada em vigor do Acordo de Paris trouxe esperança e mostrou vontade política, o sucesso ou insucesso da COP22 vai jogar-se nos detalhes. Os representantes dos 197 países que assinaram o documento colocarão em cima da mesa os seus planos de implementação a nível nacional. E aqui, são várias as questões em aberto para alcançar as metas climáticas prometidas em Paris.

Mais ambição nas contribuições nacionais de redução de GEE

A importância política e simbólica do Acordo de Paris não pode, no entanto, ofuscar as fragilidades que resultaram da COP21.

Um dos pontos-chave será perceber de que forma é que as contribuições nacionais (INDCs - Intended Nationally Determined Contributions) serão revistas e reforçadas. É sabido que os atuais compromissos de redução de emissões são insuficientes e, a manterem-se, conduzirão o planeta a um perigoso aumento da temperatura global superior a 3ºC.

Por outro lado, que financiamento climático adicional é necessário? Poderemos acelerar as estratégias de adaptação às alterações climáticas e aumentar a resiliência? Como podemos consolidar e expandir a mobilização para a ação climática junto das autarquias e empresas?

Revisão das metas de 5 em 5 anos não chega

Outra grande dúvida é saber se os países que assinaram o documento vão reconhecer a insuficiência das suas metas nacionais ou se, pelo contrário, se vão limitar a cumprir a revisão a cada 5 anos exigida no Acordo.

Conseguir uma rápida implementação do Acordo de Paris e assegurar urgentemente um maior nível de ambição serão os dois grandes pontos-chave da COP22. Caso seja bem sucedida nestes dois esforços, abrirá um (bom) precedente para os “diálogos facilitadores” que ocorrerão em 2018 e nos quais se fará um balanço dos esforços desenvolvidos pelos países para cumprir os objetivos climáticos estabelecidos para o longo prazo.

Financiamento climático é um dos pontos chave

Ao invés de apontar o dedo ou relembrar as lacunas institucionais existentes, os esforços devem concentrar-se em incentivar os países para superarem os seus objetivos no período pré-2020. Por outro lado, é preciso fazer progressos ao nível das instituições da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC, da sigla em inglês) e do apoio que podem dar, em particular, aos países em desenvolvimento no acesso a financiamento e na concretização das suas ações de mitigação propostas.

Alavancar a questão do financiamento climático será um dos requisitos chave para garantir o sucesso da COP22. É necessário um roteiro claro, um plano fiável e robusto que demonstre de que forma os países desenvolvidos cumprirão a sua promessa de disponibilizar 100 mil milhões de dólares por ano (o designado Fundo Verde para o Clima da Organização das Nações Unidas), não esquecendo as questões relacionadas com prestação de contas e transparência.


Necessárias verbas para adaptação e tecnologia

A COP22 pode e deve ser também um marco importante nas negociações sobre ‘Perdas e Danos’, na medida em que é essencial assegurar um plano ambicioso de 5 anos sobre esta matéria para os países mais vulneráveis.

Pedem-se também progressos ao nível da adaptação às alterações climáticas. Neste capítulo, a criação de iniciativas multinacionais de adaptação e a afetação de verbas para este fim serão passos decisivos, a par com os esforços de mitigação (ou seja, de redução das emissões de GEE). Neste ponto, e uma vez que os direitos de tecnologia representam aqui um papel central para a implementação do Acordo, há que repensar a escassez crítica de verbas para a investigação e desenvolvimento nesta área.

A COP22 terá que preparar o terreno para a rápida entrada em vigor do Acordo de Paris, bem como estabelecer as expectativas para os diálogos de 2018. Depois de Paris, as negociações de Marraquexe precisam de terminar num tom positivo, para que o optimismo trazido da COP21 não seja apenas uma falsa partida.

UE tem de rever em alta as suas metas climáticas

A União Europeia (UE) precisa de rever a sua política climática e energética, para estar em linha com objetivo de limitar o aquecimento global do planeta a 1,5ºC.


Atingir zero emissões líquidas de GEE na segunda metade deste século implica que a maior parte dos setores da economia da UE alcancem a descarbonização total nas próximas duas décadas. Nesse sentido, a UE deve urgentemente implementar um calendário para descontinuar a utilização de combustíveis fósseis, como o petróleo, carvão e gás natural.

Por outro lado, a UE tem de rever em alta as suas metas climáticas para 2030, uma vez que o bloco europeu irá ultrapassar o seu objetivo de redução para 2020, ficando provavelmente mais próximo dos 30%. Apesar de parecer uma grande conquista, não deve servir de motivo para os Estados-Membros descurarem os seus compromissos para o período pós-2020.

Se tivermos em conta que o atual objetivo para 2030 prevê uma redução das emissões de GEE de pelo menos 40%, a “conquista” atrás referida poderá significar que a UE não fará muito mais na próxima década.


Para manter a liderança climática, a UE deverá:

1. Colocar em cima da mesa medidas concretas para assegurar cortes adicionais às emissões de GEE, ainda antes de 2020. Uma dessas medidas seria acabar com o excesso de licenças de emissão ao abrigo do Regime de Comércio de Licenças de Emissão da UE (RCLE-UE);

2. Apresentar na COP22 um plano concreto de revisão da sua meta climática para 2030, atualmente inadequada; este plano deverá acautelar a revisão dessas metas pelos Chefes de Estado, a tempo dos diálogos facilitadores em 2018;

3. Revisão legislativa de pilares estratégicos da sua política climática e energética, como o RCLE-UE, a decisão relativa à partilha de esforços (em setores não abrangidos pelo RCLE-EU, como a agricultura, os transportes e os edifícios), a Diretiva de Eficiência Energética e a Diretiva sobre Energias Renováveis.


Portugal tem de dizer não definivo aos combustíveis fósseis

De acordo com o que está estabelecido no Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) 2020/2030, Portugal tem por objetivo reduzir as suas emissões de GEE entre 18% e 23%, em 2020, e 30% a 40%, em 2030 (ambas com base em 2005).

Uma vez que Portugal já reduziu as suas emissões em 27% (sem considerar as alterações de uso do solo), tal significa que estamos no bom caminho, tendo já ultrapassado a meta mais ambiciosa para 2020 e estando próximo de alcançar a meta mínima para 2030. Com a entrada em vigor do Acordo de Paris, Portugal está obrigado, à semelhança dos restantes países que ratificaram o Acordo, a rever as suas metas a cada cinco anos.

Tendo em consideração o nível de ambição necessário para limitar o aquecimento global do planeta em 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, Portugal deverá repensar também a sua política climática e energética, pela:

1. Revisão da meta de energias renováveis. É possível atingir 100% de eletricidade renovável já em 2030;

2. Rejeição da exploração de petróleo e gás em território nacional, cancelando as 15 concessões atuais de prospeção e exploração destes combustíveis fósseis na costa portuguesa;

3. Abandono do uso do carvão e fazer a transição para o gás natural nas centrais termoelétricas;

4. Aceleração da reabilitação urbana com requisitos ambiciosos em termos de eficiência energética e uso de energias renováveis;

5. Revisão da política de mobilidade, através de uma forte aposta na expansão e melhoria da eficiência dos transportes coletivos e dos modos suaves de mobilidade nas cidades, em detrimento da utilização do transporte individual;

6. Recurso à mobilidade elétrica e combustíveis alternativos de baixas emissões de carbono.


Quercus marca presença em Marraquexe
A Quercus, membro da Rede Europeia de Ação Climática (CAN-Europe), estará presente em Marraquexe a partir do dia 7 de novembro e até ao final da COP22, integrada na delegação oficial portuguesa e como representante das organizações não-governamentais portuguesas de ambiente e da sociedade civil.



Lisboa, 2 de novembro de 2016


A Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza


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publicado por Quercus às 18:27